São três rios, os que delineiam o estado mais urbano do Brasil, e 4.880km de fotografias que percorrem um fluxo contínuo entre a natureza e sua dimensão humana.

As águas do Rio Grande, do Paranapanema e do Paraná acolhem São Paulo, em suas margens, e abastecem o percurso artístico deste projeto, que parte de questionamentos ambientais e percorre caminho poéticos e documentais.

Os motivos para registrar, em fotografias, esses quilômetros de água são inúmeros e de ordem pública. A Bacia do Paraná abriga boa parte do aquífero Guarani, principal reserva subterrânea de água doce da América do Sul; mais da metade da produção de energia do país vem dessa bacia; milhares de moradores de regiões urbanas e rurais sofrem, de forma intensa e contínua, com o racionamento de água. Nesta proposta, percorrida a convite da tensão constante entre natureza e civilização, esses registros de grandeza despertaram, no artista, a necessidade de criar um documento histórico-geográfico que revelasse, em imagens georreferenciadas, o que está além dos números e das notícias.

Apesar da inegável força das águas, em Três Rios, estamos diante de um campo de sutilezas.

Esta road trip faz do movimento uma cadência de silêncios, o que resulta em imagens bem distantes do que vemos em Stephen Shore ou em outros autores que fazem do percurso parte da obra. À margem do que é cotidiano ou panfletário, imersas em poesia e em espelhos, algumas fotografias de Davilym parecem dialogar com as páginas de The Creation, livro que Ernst Haas publicou em 1971. Ambos enaltecem a imensidão do essencial – no mundo e em nós mesmos –, num despertar para a consciência ecológica, mas, sobretudo, para a consciência de quem somos e do que queremos ser.

Neste trabalho, a potência não nasce da imagem, mas do que ela sussurra: “isto é assim”. Sem denúncias, o tom é de reconhecimento ao que se vê, num esforço para ouvir as águas, a mata, os percursos do existir.

Ver para relatar. Ver para entender. Ver para esvaziar o sentido e criar novos significados. Ver para incorporar o acaso ao itinerário. E assim, nessa abertura receptiva, a obra é infiltrada por percursos intensos de correspondência. A criação, dentro desse contexto de mobilidade constante, expande-se para caminhos internos. O fluir entre o dentro e o fora. O que acontece no percurso interfere na criação. E é nesse trânsito, a partir do que a experiência desperta, que o artista parece fundar o inabitado em si mesmo. Percebe-se, nas imagens, a potência de se descobrir diante do que se vê – e de retribuir com gestos e intervenções.

Fotografar é, então, alinhar a vida a outras dinâmicas de existência: ao pulsar das águas, à transitoriedade das margens, à liberdade e à constância da correnteza.

A água parece refletir a existência de tudo, espelho do mundo. A organicidade das plantas que submergem e as pedras que marcam os minutos no infinito são algumas imagens que fundamentam a reorganização tempo-espacial que este trabalho também evoca. O tempo, aqui, dilata-se em espaço para que ambos acomodem tudo e, juntos, permaneçam. Assim, os três rios se transformam no rio-mundo. Num recorte de terra que percorre todos os lugares. Num rio que é sempre menino, capaz de se renovar e de manter sua inteireza, apesar da ação predatória. Reconhece-se, em Três rios, uma paisagem que conduz a todas as outras, a um espaço primeiro. Fonte.

Juliana Monteiro, artista visual

Três Rios nasceu dos desdobramentos de outros trabalhos e propostas, de imagens que eu imaginei, de instalações e intervenções que evoluíram e tiveram a oportunidade de se concretizar, de impressões imagéticas que se acumularam ao longo dos últimos 12 anos e que desaguaram nestes rios.

Nessa roadtrip, feita de moto, me deparei com diversos cenários, ora deslumbrantes ora desesperadores, de uma mata bruta e bela do Parque Estadual das Nascentes do Paranapanema aos desertos verdes com lavouras estéreis às margens do rio Paraná e Grande.

Da macro à aérea, busquei imagens que mais silenciam do que alardam. Eu busquei a contemplação.

As águas me atraem. Seja a oceânica, seja as condensadas em nuvens, mas principalmente as que se movimentam nos rios. Acredito que foi herança de meu pai, que aos 85 anos, no extremo oeste paulista, toda semana ainda se encanta com o rio Grande e seus peixes. Talvez a ideia desse projeto tenha germinado durante os almoços, banhos e passeios de barco no Rio Grande dos meus últimos anos, por isso, eu dedico a ele este trabalho.

Davilym Dourado, fotógrafo
Ficha Técnica
Imagens e edição

Davilym Dourado

Textos

Juliana Monteiro

Design

Nídia Linhares

Agradecimentos

Antonio Dourado, meu pai

Parque Estadual Nascentes do Paranapanema (PENAP)